Brasileiro compartilha menos conteúdo político no WhatsApp, aponta estudo

Pesquisa indica ambiente mais hostil, autocensura e mudança no debate público digital
Jéssica Gomes
REUTERS/Dado Ruvic/Reprodução

O compartilhamento de notícias e opiniões sobre política diminuiu de forma significativa em grupos de WhatsApp no Brasil, especialmente em ambientes familiares, de amigos e de trabalho. É o que aponta o estudo Os Vetores da Comunicação Política em Aplicativos de Mensagens, divulgado nesta segunda-feira (15), que também revela que mais da metade dos usuários evita se posicionar por considerar o ambiente “muito agressivo”.

A pesquisa foi realizada pelo InternetLab e pela Rede Conhecimento Social, instituições independentes e sem fins lucrativos, e ouviu 3.113 pessoas com 16 anos ou mais, de todas as regiões do país, entre 20 de novembro e 10 de dezembro de 2024.

Segundo o levantamento, 54% dos usuários participam de grupos de família no WhatsApp, 53% de grupos de amigos e 38% de grupos de trabalho. Apenas 6% integram grupos voltados especificamente para debates políticos, número que caiu em relação a 2020, quando esse percentual era de 10%.

Ao analisar o conteúdo desses grupos, os pesquisadores identificaram uma redução consistente na circulação de mensagens sobre política, políticos e governo entre 2021 e 2024. Nos grupos de família, a proporção de pessoas que afirmavam ver frequentemente esse tipo de conteúdo caiu de 34% para 27%. Entre amigos, a queda foi de 38% para 24%. Já nos grupos de trabalho, o índice passou de 16% para 11%.

Os depoimentos colhidos pelo estudo indicam um comportamento de autocontenção. Entrevistados relatam que evitar temas políticos se tornou uma forma de preservar relações e impedir conflitos. Para muitos, a discussão deixou de ser vista como debate e passou a ser associada a confrontos pessoais.

Esse ambiente mais tenso se reflete no receio de se posicionar. De acordo com a pesquisa, 56% dos entrevistados disseram ter medo de expressar opiniões políticas no WhatsApp por considerarem o espaço agressivo. A percepção atravessa diferentes espectros ideológicos: 63% entre pessoas que se identificam com a esquerda, 66% entre as de centro e 61% entre as de direita.

Os dados também mostram a consolidação de estratégias para evitar conflitos. Metade dos entrevistados afirmou evitar falar de política nos grupos de família, enquanto 52% dizem se policiar cada vez mais sobre o que escrevem. Além disso, 65% evitam compartilhar mensagens que possam atacar valores de outras pessoas.

O impacto desse cenário é visível na reorganização das interações: 29% dos respondentes já saíram de grupos por não se sentirem à vontade para expressar opinião política. Para os autores do estudo, esse movimento indica uma mudança no papel do WhatsApp como espaço central do debate político cotidiano, especialmente após os anos de maior polarização.

Apesar da retração, o levantamento aponta que uma parcela menor mantém postura ativa. Do total de entrevistados, 12% afirmam compartilhar conteúdos que consideram importantes mesmo que causem desconforto, e 18% dizem se posicionar mesmo correndo o risco de parecer ofensivos.

Entre os 44% que se sentem seguros para falar de política no aplicativo, surgem estratégias alternativas: 30% utilizam humor para tratar do tema, 34% preferem conversas privadas e 29% restringem o debate a grupos com pessoas de visão política semelhante.

Para a diretora do InternetLab e uma das autoras do estudo, Heloisa Massaro, o fenômeno revela um processo de amadurecimento no uso da plataforma. Segundo ela, o WhatsApp segue integrado à vida cotidiana, mas os usuários passaram a criar normas próprias de convivência política, semelhantes às do mundo presencial.

O estudo é realizado anualmente desde o fim de 2020 e teve apoio financeiro do WhatsApp. De acordo com o InternetLab, a empresa não interferiu na metodologia nem nos resultados da pesquisa.

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